Um Par de Jarros

Por Ivone Curi




Ei-las à minha frente.
Duas senhorinhas de braços dados.
Ambas com o mesmo corte e cor de cabelo.
Algo entre o caramelo e o cobre.
Do exato tom de suas bolsas
que são do mesmo material,
textura e marca.
Só que uma é de ombro; a outra, de mão.
As duas de calças jeans básica escura
e blusas brancas.
Só que uma blusa tem a gola
e as barras das mangas
bordadas em Richelieu
e a outra de listras azuis fininhas.
Uma calça sapato tênis,
a outra, sandália de saltinho.
E lá iam as duas sob o sol do meio-dia a conversarem. Podia tê-las ultrapassado, só que não. Encantei-me com esta cena das amigas de braços dados pela rua afora. Só que não. Confundi.  Provavelmente eram irmãs de sangue mesmo. Digo pela silhueta, postura e figurino.  Sim, irmãs! Daquelas que quando crianças se vestiam iguais. Porque era mais prático e econômico. Comprava-se a peça inteira, um único modelo, o mesmo molde e nenhuma dúvida sobre o que vestir em quem.
Naquela época a individualidade era artigo raro. Qualquer diferença era um ultraje a rigor!  Vigorava o princípio de que todos eram iguais perante os pais e o mundo. Criança escolher a própria roupa era algo inimaginável. Assim o primeiro vestido delas foi de organdi branco com rendinha chantilly. O segundo, azul com rendinha quibir. Depois teve o de fustão amarelo com pala em casinha de abelha, um bordado em ponto rococó e outro em ponto cheio. Sutil diferença.  Lembram-se perfeitamente dos vestidos de cambraia de linho, azul e rosa com bainha em ponto ajour e gola branca. E que teteia aqueles que a mãe bordou cenas da história de Rapunzel e do Chapeuzinho Vermelho. Muito chiques os vestidos de veludo. Um azul marinho e o outro vermelho com faixa de cetim na cintura. Foram os últimos vestidos rodados. O primeiro tubinho das duas foi de algodão xadrezinho, rosa e azul. E os vestidos de marinheiro estilizado? Um azul marinho com saia godê e fitas de gorgorão vermelhas e brancas. O outro branco com listras azuis de cintura alta e viés vermelho nas mangas e na gola.  Somente quando ficaram mocinhas, praticamente ao mesmo tempo, ganharam dois tecidos com estampas florais diferentes e a liberdade de escolherem o próprio feitio. Por incrível que pareça ambas escolheram um modelo de alcinhas. A da estampa de fundo amarelo ouro com florzinhas miúdas verdes e vermelhas bordou  miçangas ao longo das alças e do decote.  A da estampa de fundo vermelho cereja salpicado de flores brancas e de vários tons de rosa mandou colocar um aplique de renda de algodão no peito.
Na juventude a irmã-cocota com seu cheirinho de chantilly e biquinho quibir implicava com a irmã-riponga pelo seu jeitinho miçanga de ser, que por sua vez cutucava a outra com suas varinhas de incenso de canela. Somente na maturidade foram acertando as arestas, os passos.  Então quando tiveram os próprios filhos fizeram questão de vesti-los, meninos e meninas, completamente diferentes. E agora que são avós surge esta moda de vestir as crianças como os pais. Tal mãe, tal filha! Tal pai, tal filho! Acham uma tetéia. Fofos como se diz. Assim para uma foto, um evento. Mas daí vestir assim direto e reto é demais pro gosto delas.  Não conseguem entender se são as filhas que se vestem como as netas ou se são as netas que se vestem como as filhas. Virou mania, o estilo par de jarras! Até entre os jovens casais. É o look casal total!  A explicação é que vestir combinando é uma das maneiras de revelar carinho.  Outras formas de demonstração de afeto e de compromisso também estão em alta.  Fazer tatuagens, coração vazado no anelar dela, coração menor e cheio no anelar dele. Ou vice versa. Aliança de pulso pros dois. Ou seja, pulseira unissex. Ou cordões com os mais variados pingentes. Ou seja, aliança de pescoço, outro tipo de coleira. Ah... Mimetismos de amor! E não é que as celebridades também aderiram a este estilo!  Embora desconfiem ser mais uma jogada de marketing.  Quem imitou quem?  Quem ficou mais fashion?
Enfim elas são da época que irmãs se vestiam iguais por longo tempo. Que estrear roupa nova em dia de semana era quase um sacrilégio, era queimar a roupa.  Que era gafe repetir roupa mesmo que em lugares diferentes, e não sinal de elegância como andam alardeando.  Aparecer então com a mesma roupa ou combinando num evento era o maior vexame, a maior gozação. Vão cantar aonde? A única saída honrosa era dar o braço à colega e começar a cantar. I Love to Love!  Até que uma diz que gostaria de ter guardado um retalhinho de cada um de seus vestidos. Bobagem! Eles estão dependurados, passados e perfumados nos cabides de nossas memórias – respondeu a outra. Até que chegamos aonde a rua se bifurca. Eu dobro à direita e elas seguem que nem um par de jarros. Porém feitos à mão, semelhantes, mas não iguais. E cada vez mais parecidas com as meninas que foram.

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